domingo, 24 de março de 2019
Os caçadores de fantasmas
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História
Os caça-fantasmas da vida real
Alguns corajosos não têm medo de enfrentar assombrações que tiram o sono de muita gente. Conheça as histórias de quem dedica a vida a investigar eventos sobrenaturais
Por Robson Pandolfi
4 nov 2016, 19h15 - Publicado em 13 jul 2016, 21h45
O ano de 1970 chegava ao fim quando Roger e Carolyn Perron arremataram, num leilão, uma antiga casa de campo em Harrisville, no estado americano de Rhode Island. O clima bucólico parecia perfeito para o casal criar suas 5 filhas pequenas. Mas, logo na primeira semana, o cachorro amanheceu morto, enforcado pela coleira. Os dias passaram e diversos hematomas apareceram no corpo de Carolyn. À noite, as meninas sentiam um forte cheiro de carne podre no ar e tinham seus pés puxados ao dormir. Porta-retratos se espatifavam pelo chão sem nenhuma explicação. A TV ligava sozinha. Ouviam-se batidas nas paredes. Em pouco tempo, os acontecimentos de Harrisville chegaram até Ed e Lorraine Warren, investigadores paranormais fundadores da New England Society for Psychical Research (NESPR), uma das mais antigas sociedades de caça-fantasmas dos EUA. Bastou cruzar a porta de entrada da casa para que Lorraine percebesse: tratava-se de um lugar mal-assombrado. Hoje, aos 88 anos, Lorraine segue na ativa. Nos anos 70, sua capacidade psíquica, como médium e clarividente, chegou a ser testada por pesquisadores do extinto Laboratório de Parapsicologia da Universidade da Califórnia. Já Ed, falecido em 2006, foi um dos mais notáveis demonólogos (especialista em demônios) do mundo, reconhecido até mesmo pelo Vaticano. Casados por mais de meio século, os dois formaram a mais respeitada dupla de caça-fantasmas do planeta. “Ed estudava a fundo o mundo dos demônios e, por isso, foi considerado uma ‘autoridade no mal’. Mas acho que podemos ser chamados, sim, de caça-fantasmas”, diz Lorraine. No currículo dos Warren, que se negavam a cobrar pelos trabalhos, estão registrados mais de 4 mil casos em diversos países – uma experiência que foi relatada em dezenas de livros, programas de TV e documentários.
Devidamente instalados no casarão da família Perron, Ed e Lorraine começaram a pesquisar a história da fazenda. Segundo o folclore local, uma mulher teria sido acusada de bruxaria no fim do século 19, depois de ser flagrada ofertando a vida de uma criança a Lúcifer – cravando-lhe uma fina agulha na altura do crânio. Estava claro: o fantasma de Bathsheba Sherman estava tentando expulsar a família. Andrea Perron, então com 12 anos, discorda da tese de que Bathsheba era a maior culpada pelos fenômenos. “A senhora Warren atribuiu a maldição a Batsheba, mas achávamos que ela estava errada, pois o demônio que atormentou minha mãe falava um idioma arcaico”, diz Andrea. Autora da trilogia House of Darkness: House of Light – The True Story (“Casa da escuridão, casa da luz: a verdadeira história”, sem tradução em português), lançada em 2011, a filha mais velha dos Perron revela que o momento mais apavorante aconteceu na noite em que os Warren trouxeram um time de especialistas para uma sessão de invocação dos espíritos. Além deles, havia um médium, um padre e equipe técnica com profissionais de áudio e vídeo – staff completo. “Contra a vontade do meu pai e sem fazer um julgamento apropriado, eles começaram uma sessão que se saiu terrivelmente errada. Aquilo infestou minha mãe, tomou seu corpo. Ela levitou e foi atirada longe, na outra sala, pensei que fosse morrer”, relembra Andrea. Depois da tentativa frustrada de exorcismo, Roger Perron pediu aos Warren que abandonassem o caso. Acreditava que o mistério estava acima da capacidade dos especialistas.

A história adormeceu por décadas, vindo à tona com o lançamento do livro de Andrea e de um filme inspirado nos fatos, Invocação do Mal. Até vender a casa, em 1980, a família teve que se adaptar à vida ao lado dos fantasmas. “Aprendemos a conviver com essa presença, até porque a maioria deles era inofensiva. Nem tudo foi tristeza e melancolia”, conta Andrea. Ainda que os acontecimentos de Harrisville tenham frustrado os caça-fantasmas Ed e Lorraine, essa não foi a investigação que mais os atormentou. Poucos anos depois, Amityville se revelaria pior. Muito pior.
Depois de investigar uma casa em Amityville, os Warren foram perseguidos por um ente do mal.

Na madrugada de 13 de novembro de 1974, Ronald Defeo Jr. matou a tiros de rifle seus pais e os quatro irmãos no número 112 da Ocean Drive, em Amityville, no estado de Nova York, nos Estados Unidos. Preso até hoje, o assassino alegou, na época, ter sido influenciado por entidades malignas. Depois, chegou a dizer que o argumento era falso. O fato é que, 13 meses depois da chacina, a casa ganhou novos moradores: a família Lutz. Passaram-se apenas 28 dias entre a primeira e a última vez que os Lutz pisaram na casa. Móveis e eletrodomésticos se moviam, portas batiam, as crianças apareciam arranhadas, barulhos estranhos e vozes lamuriosas atormentavam a todos. Aterrorizados, os Lutz deixaram todas as suas coisas para trás, e os Warren foram chamados para investigar a casa. “O caso Amityville afetou nossa vida mais do que qualquer outro. Alguma coisa nos seguiu até a nossa casa e apareceu tanto para mim quanto para Ed. Fomos atacados por uma entidade do mal”, afirma. A história dos Lutz já foi contada diversas vezes tanto pelo cinema como pela literatura. A maioria das versões toma como base A Mansão do Diabo, best-seller escrito por Jay Anson em 1977.
Casas mal-assombradas sempre geraram controvérsia e são vistas por muita gente como fraudes, mas tanto a parapsicologia quanto os pesquisadores da paranormalidade procuraram levá-las a sério. Até por que os relatos misteriosos se acumulam e, mesmo sem hipótese científica que ajude a compreender melhor o que acontece numa casa supostamente mal-assombrada, parte da população tende a acreditar que é tudo real. Uma pesquisa divulgada pelo portal Huffington Post revelou que 45% dos americanos acreditam em fantasmas ou na possibilidade de que os espíritos de pessoas mortas voltem a certos endereços.

Fantasmas brasileiros
Na baía norte de Florianópolis, é uma ilha inteira, e não apenas uma casa, que é conhecida por ser mal-assombrada. Durante a Revolução Federalista, no final do século 19, dezenas de revoltosos contrários ao regime de Floriano Peixoto foram presos e assassinados na antiga fortaleza da ilha de Anhatomirim. Historiadores estimam que até 200 pessoas perderam sua vida no local, a maioria vítima de fuzilamentos ou enforcamentos. Desde então, vozes, ruídos, barulhos, vultos e assombrações passaram a ser vistos e ouvidos no local.
São casos como esse que motivam o trabalho de pessoas como o gaúcho Antonio Augusto Fagundes Filho, 53 anos. Ele não utiliza a parafernália da maioria dos caçadores de fantasmas americanos – como detectores de força eletromotriz, câmeras com infravermelho, monitores atmosféricos, contadores Geiger e sismógrafos. Nada disso: Fagundes é um caça-fantasma um tanto peculiar. “Já participei de alguns grupos, mas sou um lobo solitário mesmo”, afirma. Pesquisador das ciências ocultas há mais de três décadas, o autor de obras como O Livro dos Demônios, diz já ter passado por poucas e boas. Mas uma de seuas experiências mais marcantes foi pernoitar em Anhatomirim.

Convidado por uma TV local, o demonólogo (como são chamados os especialistas em espíritos do mal) entrevistou historiadores e pescadores – alguns dos quais juraram haver assombração na ilha. “Pode ser até lenda, mas eu passei muito trabalho quando pescava com meu pai e meus irmãos e parava no Anhatomirim à noite. A gente via o sofrimento dos caras que morreram enforcados lá”, diz Fausto de Andrade, um pescador local.
Para Fagundes, todas as assombrações relatadas na ilha eram causadas por quem morreu de forma cruel no local há mais de 100 anos. Com natureza espectral, de característica evanescente, os fantasmas costumam aparecer se desfazendo – tal como uma fumaça ou nuvem. “Muitas vezes, eles tentam interferir no nosso mundo apenas para chamar a atenção, em busca de paz ou de um repouso final”, diz. Munido com adagas, espadas, pedras energéticas, Fagundes valeu-se de rituais mágicos para contatar as almas penadas. Meditou sob a árvore dos enforcados e, encostado nas paredes onde aconteciam os fuzilamentos, garante ter libertado inúmeros fantasmas que perambulavam pelo local. “Vi as almas em tormento, desesperadas. Elas queriam era uma luz, uma prece, uma lembrança de alguém que lamentasse e partilhasse seu sentimento de justiça. Então, trabalhei o ambiente com meus artefatos”, afirma.
Quando parapsicólogos e demonólogos falham, há soluções mais radicais. Na zona rural de Caiçara, no Rio Grande do Sul, uma família vinha sendo aterrorizada por fenômenos paranormais nos primeiros meses de 2014. Marido, mulher e os três filhos (um menino e duas garotas entre 11 e 15 anos) chegaram a procurar ajuda na polícia e na prefeitura. O mistério envolve pedras no telhado, pancadas nas paredes, levitação e até mesmo uma aparente possessão demoníaca registrada por um produtor de vídeo de uma cidade vizinha. Fagundes analisou as imagens e acredita que se trata de um caso típico de poltergeist – que, na definição dos demonólogos, ocorre quando garotas adolescentes, em fase de mudanças no corpo, liberariam uma energia incrontrolável, como se tivessem possuídas por entidades do mal. Ou seja, para Fagundes, a natureza do problema em Caiçara nada tem a ver com fantasmas e demônios: as meninas não conseguiriam controlar a suposta energia decorrente das transformações hormonais, típicas dessa fase da vida. Diante da insistência das assombrações, a família adotou uma medida drástica: demoliu a casa.
Alucinação sonora
Mas casas mal-assombradas também podem ser explicadas pela ciência tradicional. Foi o que Victor Tandy, pesquisador da Universidade de Coventry, na Inglaterra, descobriu depois de levar um grande susto. Trabalhando em seu laboratório, sozinho e tarde da noite, o professor sentiu um pavor inexplicável. Suando frio, de cabelos em pé e tonto, enxergou de canto de olho uma mancha movendo-se a poucos metros de distância. Em pânico, correu para casa, onde lembrou-se de relatos de colegas que teriam tido uma experiência semelhante no mesmo local. No dia seguinte, Tandy participaria de uma competição de esgrima e, por isso, carregou para o trabalho seu florete. Ao colocá-lo sobre a mesa, a lâmina começou a tremer freneticamente. Eureka! Só podia ser uma fonte de energia interferindo no objeto.
Após muita reflexão, o pesquisador percebeu que todas as assombrações apareceram depois da instalação de um ventilador de exaustão no laboratório. Pronto. A culpa era da ressonância. Quando se bate num objeto, ele vibra e emite ondas sonoras com determinada frequência. E todo e qualquer corpo tem sua frequência de ressonância – ou seja, uma frequência própria, que vibra com amplitude maior quando recebe a energia gerada por excitações semelhantes. Ao medir as ondas do ventilador, Tandy encontrou, além do ruído audível, o infrassom, uma onda sonora muito grave abaixo do que o ouvido humano consegue ouvir, que se multiplicava pela sala estreita com o mesmo comprimento de onda. Cheio de energia sonora, o laboratório não só moveu o florete como havia agido no corpo de Tandy, fazendo vibrar partes do organismo como o bulbo cerebral – que controla a respiração e causou a sensação de pânico.
Além disso, a frequência de ressonância do globo ocular era muito parecida com a do ventilador. Por isso, o olho chacoalhou, fazendo com que a retina produzisse um clarão – o tal fantasma. Ventilador trocado, laboratório exorcizado.

Uma noite no museu
Em Monroe, uma pacata cidade do estado americano de Connecticut, vive a mais famosa caça-fantasma do mundo. Aos 88 anos, Lorraine Warren acumula milhares de histórias de investigação paranormal – a imensa maioria ao lado de Ed, seu marido, que faleceu em 2006. Mais do que casos documentados, Lorraine guarda no porão de sua própria casa uma infinidade de objetos recolhidos ao longo de mais de 60 anos. “São itens do mal”, como ela mesma diz. Trata-se do Occult Museum (ou Museu do Ocultismo), que reúne instrumentos usados em rituais satânicos, como crânios, livros de bruxaria, bonecos de vodu e até um espelho para a invocação de espíritos. Entre o que se pode chamar de destaques do lugar está um órgão que se tocava sozinho e um sinistro ídolo satânico encontrado numa floresta. Mas nada supera a boneca Annabelle. Doada aos Warren nos anos 70 por uma estudante, a boneca teria ganhado vida própria ao ser possuída por um demônio. Desde então, Annabelle vive trancada em uma caixa com porta de vidro, à exposição para curiosos. Um cartaz avisa as poucas pessoas que se arriscam a visitar o lugar, aberto ao público: não toque nos objetos. “As coisas que estão aqui são o oposto daquilo que pode ser considerado sagrado ou abençoado. Por isso, um padre vem regularmente benzer os objetos”, explica Tony Spera, diretor da New England Society for Psychical Research, fundada por Lorraine, sua sogra, em 1952.
CAIXA DE FERRAMENTAS
Caça-fantasmas carregam na mochila alguns equipamentos que ajudariam a desvendar a origem das assombrações
EMFs: em lugares de atividade paranormal intensa, fantasmas causariam interferência sobre os campos magnéticos. Os EMFs detectam variações nesses campos.
Câmeras: filmadoras e máquinas fotográficas coletam indícios de fenômenos sobrenaturais. Quando captam luzes infravermelha e ultravioleta, melhor ainda. Há quem use, em conjunto, uma lanterna de laser, que facilita a detecção de sombras no vídeo.
Gravadores de áudio e Ghost Box: gravadores ajudam na detecção dos fenômenos eletromagnéticos de voz (EVPs). A Ghost Box é uma espécie de rádio que varre todas as frequências, inclusive as inativas, em busca de EVPs.
Smartphone: os caça-fantasmas também podem contar com o auxílio de aplicativos para telefone celular. O EVP Analyzer, por exemplo, grava fenômenos eletromagnéticos de voz. O Paranormal State EMF Detector varre campos magnéticos em busca de possíveis espíritos. Já o Ghost Radar grava os padrões de campo magnético, vibração e som do ambiente e avisa quando algo de anormal acontece.
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